quarta-feira, 8 de abril de 2015

É tudo parte do acordo.


A luz vem como um tsunami, um furacão, uma enchente. Vem como um desastre destes que chamam de natural.

Mas os olhos doem. Os olhos não pensam, não raciocinam. Não há como explicar aos olhos a racionalidade de se abrirem. Eles entendem a insônia, o cansaço, meia dúzia de lágrimas, o arder do Sol. Mas não há como explicar a violência da invasão de cores que ninguém pediu para existir.

Os olhos apenas doem.



E com a luz, naturalmente, a sombra. E os pensamentos que se arvoram nela. As contas, o cotidiano, as conversas; tudo cai n'alma como a ferida de um poema do Neruda.
Y el verso cae al alma como pasto el rocío.
E o que era racional esconde, no cantinho dos olhos, no escuro das sombras; as coisas que já foram. E nas coisas que já foram, as pessoas. E nas pessoas a ausência das pessoas. Que foram.

E um filósofo chinês me fala de um rio com água corrente. Notícia de enchente? O tempo não pára, me fala um cantor morto. Tudo naturalmente.

E o relógio apita, num celular, que a reunião tá começando.

Os olhos doem, o relógio grita, a sombra resmunga e o estômago avisa que mais cedo ou mais cedo faltará comida. Na periferia?

Sombras cotidianas escondem outras sombras, outros matizes, outros cinzas. E enquanto alguém acena, um troço qualquer incomoda.

Mas esse troço a gente deixa dormir naturalmente. Que não há tempo para sonhar quando se está acordado.

E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.

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