Eu guardo cada memória de um jeito diferente. Aqueles bilhetes de mulheres foguetes, cometas, mulheres espoletas e até mulheres que não merecem este título - ‘mulheres sem ser’ – estes eu guardo numa caixinha de metal gelado, embora me aqueçam a alma, lê-los.
O por-do-sol eu guardo comigo e apenas comigo. Não me importa se é o de Machu-Pichu, visto com o irmão-amigo. Ou se o da Ilha de Páscoa, visto com meu pai. Ou se o de Cuba, visto com a política. Ou se o do Rio de Janeiro, visto tantas vezes, com tanta gente. Ou se o de São Paulo, por-do-sol-rotineiro-sem-ser.
Os abraços das crianças, estudantes e alunos, os ‘eu te amo’ inconsequente e sinceros. Os sorrisos e os ‘ah, entendi!’ esses eu guardo com a memória da pele, memória que arrepia, arranha mas não se larga, porque é parte do ser.
Cada memória uma lembrança. O óbvio que não é.
Na cabeça, razão, guardo os erros meus. E tento lembrar de acertos. Cobro-me como um animal ferido e faminto, cuja chance única é colher o alimento dos abutres, alimento podre, que sustenta. Porque todo pensamento traz em si algo de podre e doce. Porque tem gosto amargo mas mata a fome.
Cada parte de cada ser que há em mim traz um pouco do mundo ao meu redor. Das dores vividas, das alegrias sentidas da vida “morrida um pouco por dia”.
Sei bem meu nome e endereço. Não preciso de estrofes e mais estrofes para me pessoalizar, talvez porque saiba que jamais conseguiria. Se sou resultado do ambiente ou de outra coisa já não me interesso. Porque o resultado não é interessante, mas o caminho.
E sei da ansiedade daquela lembrança que espera menção em meus escritos, e a resposta é que escrevo o meu passado e minhas possibilidades de futuro, jamais meu presente.
Porque é o tempo em que se vive, não no qual se escreve. Presente do Pretérito. Às favas com as gramáticas.
Guardo em cada vírgula escrita uma letra anterior e outras tantas posteriores. É assim minha memória-letra. Pontuada, claro, como devem ser as lembranças, posto que são específicas.
Texto, contexto e concisão? Não, não precisa não. O que importa das gentes todas não são as precisões características, mas as semelhanças metafísicas, ainda que não acredite nelas.
E misturo paixões com decepções. Amores com inimigos, amigos e patrões. E rimo na prosa. Erro acadêmico, erro graduado, erro julgado, erro de nota marcada. E que me importa?
Errante, sigo o texto com a coragem de quem enfrenta moinhos, calmo e sereno por ser completamente alheio ao real. E me perco, falava de emoções…
Mas é que a lembrança que me veio não foi boa. Lembrança da covardia; alheia? Ou minha.
A violência também tem espaço nas lembranças. Guardo nos olhos. Aquilo que vi, aquilo que não vi. Aquilo que ouvi. “Ideias tortas que produzem gente morta. Em escala industrial.” Aquele nada que sufoca e nos impede de pequenas coisas, pequenas amostras. Que já enfrentei um dia. Hoje adormeço ignorante. E acordo inconstante.
Às lágrimas resta o papel de juntar todo o texto. De juntar bilhete e por-do-sol. De juntar abraços e acertos. E erros. De juntar vírgulas e olhares. E buscar no leitor / autor o que restou daquilo que já se chamou de amor.
3 comentários:
Como afirmei quando tuitei o link agora de tarde... suas palavras falam fundo... Claro, estão marcadas pela subjetividade de quem procura entender-se e deixar sua marca por meio das letras... Muito bom... confesso que me deu até vontade de tentar deixar registrado o que me vem ao coração.
Lindo...
Feche os olhos e imagine o por-de-sol de Ubatuba desenhado num papel.
Agora junte um "eu te amo" inocente e inconsequente. Pronto.
Já pode pendurar da sua parede.
beijo da Mama ♥
Querido, palavras lindas e tristes como sempre. Mas há como ser feliz sem ter provado da infelicidade? Há como acertar sem ter errado? O título é sublime de poético.Meus pensamentos ainda estão meio confusos (não me justificando rsrs) Amo o que vc escreve. Muito mesmo! Deveria pensar em escrever um livro.Falo sério.
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Quem fala o que quer, ouve o que não quer.
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