segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Entre as coisas que não foram ditas…

    Bem ali entre um suspiro e outro, entre uma palavra e outra, no pensamento que não é dito. Bem ali reside a verdade. Naquele segundo de sobriedade, entre um e outro olhar, entre um e outro pensamento, naquele vazio de momento, bem ali está o que é importante.

    Pode chamar do que quiser ou nem chamar se achar que não deve. Mas todos nós já pensamos inocuidades, que não deixamos penetrar. Assim é que funciona a mente humana. Mais humilde, talvez, dizer “assim funciona minha mente”. Mas quem negará fato tão óbvio? Quem dirá que nunca pensou verdades que não gostaria, que filtrou o pensar e não fez chegar até o mundo real. Ego, Id e superId dirão os estudiosos das insanidades.

    Insanidade é tentar entender as mentes, direi eu. E nem é tão ilógico. Fato é que no meio de tudo que é dito fica sempre um espaço, um respiro, uma vírgula de consciência que não precisa ou simplesmente não é falada. Alguém aí sabe do que eu estou falando? É confuso até para mim, não menos real por isso.

    É nesse fio de existência, nessa brincadeira de pensamento, ali, que ficamos estupefatos. E a arte de não dizer, não falar, não demonstrar ou ainda mais grave, de perceber e deixar transparecer (coisa bem diferente de não perceber a transparência); a arte de se resguardar. A arte de se disfarçar. A arte da fuga, dirá.

    E entre um parágrafo e outro, entre um pensar e outro, entre uma conclusão e uma argumentação, há sempre algo que não foi dito, mas foi pensado. E é menos verdade ou mais verdade do que o que já foi dito? Ou do que foi dito sem ser pensado?

     Entre as coisas que não foram ditas tem um bocado de coisas constrangedoras. A pessoa abre a boca ao mesmo tempo em que você abre a tua e no exato instante em que você percebe a coincidência desiste de falar. E o assunto segue e o que ia ser dito se esvai. E a verdade perde-se? Ou muda apenas o assunto?

     Existe um limbo das palavras.

     Um mundo irreal, maluco, onde as coisas que ‘quase-foram-ditas’ se encontram com as coisas ‘que-nunca-serão-ditas’. Lugar dominado mesmo pelas ‘coisas-que-foram-entendidas-apesar-de-nunca-terem-sido-ditas’. Absurdo? É nada. Pense naquele post que escrevestes. Ou na carta, ou no poema, ou na redação. Aí lembrará daquilo que você quis dizer, que raramente se aproxima daquilo que as pessoas quiseram entender.

     É nesse limbo que residem as verdades.

    É entre ‘O Limbo’ e o real que está o mais próximo do que pode ser chamado de verdade. Eu aprendi outro dia, uns dez anos atrás, que verdades são três:

  1. A minha verdade
  2. A tua verdade
  3. A verdade

     E acho que limbo nenhum possui essa terceira via. Terceira margem do rio das coisas. Mas houvesse algo próximo disso e seria uma junção dos suspiros não ditos. Palavras que quase foram escritas. Ou que foram apagadas. Ou que escritas e nunca entregues, como tantas outras.

      E as certezas que nascem daquilo que não foi dito, são mais certas ou menos certas?

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.

Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.

      

          O pensamento voa entre as coisas que foram lidas, e concluo assim, meio sem sentido, meio sem saber; assim mesmo, sem concluir:

   Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.
   Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.
   Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.

   Até a vida só desejada me farta - até essa vida...

  Quando o tédio chega, eu visito o Limbo.

1 comentários:

Josy disse...

Como sempre, divago nas emoções e reflexões que suas palavras me dizem.Há pensamentos, cores, amores, e dores (quantas) que nunca dizemos. Todos nós temos um limbo dentro, uma dor de sonhos não realizados, sonhos dispersos pelas amarguras de uma vida que nem sempre queríamos como nossa.Beijo.

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